quinta-feira, 3 de junho de 2010

O Farol Perverso

A coisa era urgente.
Depois de Bernardino Soares tem apelidado de "aldrabice política" o desfasamento entre o sinal político do Conselho de Ministros e a produção real da João Crisóstomo, lá fomos nós, em três dias úteis, cedendo.
Tratava-se de enquadrar e prever os moldes de reentrada de médicos aposentados no SNS.
Certo. Tudo com contratos de trabalho, respectivos descontos e regras claras técnicas e funcionais, pondo, vamos ver, termo ao ilegal descalabro de ter centenas de médicos a prestar serviço de forma regular, subordinada e assalariada sem qualquer enquadramento laboral.
No meio da querela jurídica e sindical, na mesa negocial, por detrás de doutos assessores das Finanças e Administração Pública, salta para a mesa, lembro-me bem, a comparação dos médicos com um farol.
Atiçam-me as orelhas, retesam-se os músculos.
Farol?
Sim, os médicos são o grupo mais inovador da Administração Pública em termos de enquadramento legal da respectiva Carreira, no desenvolvimento da contratualização colectiva, nas Comissões Paritárias, até na junção dos dois Sindicatos na mesma mesa negocial.
Somos um farol legislativo.
Confesso que a comparação me apoucou, deixando-me a ruminar no que, ao momento, me pareceu um elogio.
Depois, mais tarde, como tanta vezes acontece, aquela comparação não me saia da cabeça.
Farol?
Mas o que é um farol?
Estou certo que o termo foi aplicado em sentido figurado: coisa, ideia ou pessoa que orienta, pois foco luminoso para guia nocturno dos navegantes não me parece ter sido.
Aos poucos percebi o risco e o quão perverso pode ser o que se congeminou legislativamente.
Para médicos aposentados legalmente, e só para médicos, o regresso ao trabalho passou a ser uma via de sentido único, conceptual e sindicalmente correcta mas preocupante pois é, objectivamente, uma discriminação negativa.

Luís

Sempre tivemos uma boa relação pessoal.
Directa, sem meias tintas, por vezes dura e agressiva, mas nunca confundindo o pessoal com o institucional.
Esta destrinça, saudável, permite que os esporádicos reencontros confundam os presentes que não assimilam a história dura do confronto verbal, do chiste mais republicano, com um abraço.
O Luís, contrariando os meus próprios palpites, voltou aos doentes, voltou a ser médico e de família. Isto merece destaque porque, não sendo virgem, é raro, principalmente depois de um longo período de empenho em actividades de nomeação política.
De certo, neste final mais próximo ao leme da Reforma dos Cuidados Primários, ficam as USF, a sua implementação e um iníquo fundamentalismo que provocou a debandada de muitos corações bons.
Quase que apetece dizer, desbocadamente, que a melhor definição de Luís Pisco, sobre a Reforma é 250 USF lançadas, 400 médicos de família empurrados para fora dos Centros de Saúde.
Lá para o final do ano veremos se o saldo é positivo.