segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Requiem

O ano de 2011 vai ser o início da mudança radical na realidade do sector da saúde. O corte orçamental superior a 6% sem planeamento, claramente imposto pelas finanças e não por um pensamento estratégico, vai resultar em processos extremamente complexos, conflituosos e que poderão parecer perfeitamente irracionais a nível local. Podem ter alguma racionalidade macro, mas depois as implicações pelo país fora serão difíceis de entender. Não tendo havido um debate alargado entre as várias forças políticas, não havendo um plano para os próximos anos com o que deve ser atingido, em que áreas, sacrificando o quê, concentrando onde, vai ser um processo perfeitamente improvisado num contexto de fragilidade política. Não será a melhor forma de entrarmos na grande mudança do serviço de saúde português. Mas acredito que daqui a quatro anos o sistema será completamente diferente, estará irreconhecível. O sector privado assumirá um papel de liderança a vários níveis, até tecnológico, e o público estará numa situação ainda mais frágil do que hoje, as políticas de financiamento serão diferentes e um certo conceito de Serviço Nacional de Saúde (SNS) será necessariamente repensado. Paulo Kuteev Moreira
Este texto faz parte de uma entrevista publicada no Jornal i de hoje. Merece leitura pois antecipa o que parecia lógico a muitos: a crise deveria servir para consolidar o SNS e isso só seria possível por via de encerramento e concentração de serviços, nomeadamente de serviços de urgência hospitalar, concentração nalgumas especialidades, nomeadamente nas grandes cidades, repensar limites nalgumas respostas terapêuticas mais "criativas", instituir com urgência um formulário de medicamentos em ambulatório, com limites claros no acesso a algumas prescrições "inovadoras".
O Ministério da Saúde vive momentos difíceis. A Ministra ufana-se em demonstrar que depois dela o caos, um dos seus Secretários só faz campanha autárquica e o outro parece ainda não ter percebido como os orçamentos se esboroam sem apelo.
Mas, infelizmente, adia-se mais do que se decide, atamanca-se mais do que se reforma.
Assim PKM terá razão. E é pena.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Até dá pena!

Ver Helena André sair em defesa do maior e mais desleixado patrão até dá pena.
A sua rápida transição da liderança do sindicalismo europeu para Ministra do Trabalho alvo de uma greve geral até dói.
O que parece claro neste dia de luta à moda antiga é que Helena André fechou a porta a um regresso à sua UGT e ao seu passado.
Não deixa de ser curioso ver John Monks, Secretário-Geral da CES em Portugal em apoio inequívoco da greve geral, prenhe de palavras elogiosas.
Mas é muito difícil de aceitar a confrangedora situação em que se coloca, ao lado do burocrata certinho, Gonçalo Cadilhe dos Santos, na guerra das percentagens e da contagem de serviços públicos abertos ou fechados.
Helena André sabe que a greve existiu, foi efectiva e transversal a muitos extractos políticos, sociais e partidários.
E, obviamente, bem sabe que o descontentamento existe, fruto não de uma negação da percepção ou da interiorização da necessidade de sacrifícios, mas sim da sua efectiva equidade.
Helena André é Ministra do Trabalho de um Governo apanhado num turbilhão e que decide, sem rebuço ou hesitação, aplicar o mais fácil - cortes de salários, aumentos de impostos.
Helena André, hoje claramente EX-sindicalista, é Ministra do Trabalho de um Governo que diz que os cortes nos salários, para além de inconstitucionais, são para sempre, permitindo-se dormir sobre a desvalorização do valor do trabalho e do seu reconhecimento social, num retrocesso civilizacional sem precedentes.
Reconheça-se-lhe a lealdade ao "seu" PM e a coragem.
Mas hoje a sua expressão perante as câmaras não deixava dúvidas a ninguém - desalento, tristeza e, tragicamente, impotência perante a inevitável escalada das tensões sociais.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

De Tigre Celta a Gato Esfolado

Há uns mesitos o tigre Celta era a nossa meta e a nossa vergonha.
Impunha-se reformas estruturais que nos colocassem em posição de seguir o trilho.
Reformas da administração pública, menos e melhor Estado, livre avanço da iniciativa privada, do mercado, da concorrência sã.
Os gestores ao poder, a política regrada e regulada pela Economia e pelos economistas.
Mais flexibilidade nas regras laborais, mais facilidade nos despedimentos e mais liberdade na contratualização.
O mais fantástico era ver as horas de tv e rádio e o ar de superior fastio com que os economistas e, mais grave, os opinadores pseudo-economistas, nos brindavam para demonstrar uma evidência: a Irlanda e o seu modelo económico de crescimento eram para seguir, melhor, para copiar sem demora e sem contestação.
Hoje, vendo o tigre como um gatinho esfolado miando por um pratinho de leite alemão, chinês ou russo, o que me vem á cabeça é a sem vergonha dos mesmos economistas e dos mesmos opinadores pseudo-economistas que persistem em debitar, com o mesmo fastio, novos ídolos e novos paraísos.
A crise financeira tem uma virtude: só um louco acredita num banqueiro, num economista ou num mercado que se auto-regule.