quarta-feira, 10 de março de 2010

A bola debaixo do braço

Quando éramos putos, todos nos lembramos da terrível coincidência que se verificava na associação das melhores bolas com os piores intérpretes. Os artistas traziam para a rua bolas fartinhas de palmilhar, empenadas, desmaiadas ou rotas que aumentavam a admiração de todos perante os milagres que se viam extrair daqueles destroços.
Quando aparecia coisa nova, a estrear, normalmente trazia em apêndice o dono, trapalhão e desajeitado, que fazia depender o usufruto da dita da sua presença em campo.
Ninguém se opunha, claro, confortados na bela tarde de rija peleita adivinhada.
Só que, normalmente, nos esquecíamos dos humores instáveis do apêndice e, bastas vezes, a menor importância que lhe era dedicada na arte colectiva ou a simples necessidade de demonstrar quem mandava, fazia desaparecer, estrada fora, o paspalho com a redondinha debaixo do braço.
Fim de jogo para saberem quem manda.
Desconfio seriamente que Teixeira dos Santos era, quando puto, um paspalho a jogar à bola mas tinha paizinho que lhe alimentava a fleuma com bolas cintilantes.
A facilidade e a desfaçatez com que sai porta fora com os compromissos, por si anteriormente assumidos, debaixo do braço, só pode derivar de uma infância tremida no jeito do drible.
Assim, em passe de letra, toma lá e cá vai disto: o que era para depois é já amanhã e pronto.
Teixeira dos Santos, qual puto ranhoso digno de Manoel de Oliveira, manda-nos ficar em jogo mais uns anos e com uma bola de trapo velho.

segunda-feira, 8 de março de 2010

A falência dos CSP

A recente reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada por Correia de Campos, assentou num pressuposto político interessante: a mudança deveria ser feita por quem e com quem está no terreno, o que ocasionou, não querendo dar mão aos parceiros sociais, nomeadamente às associações sindicais, entregá-la a uma associação científica e cultural (por vezes recreativa) - a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG).
Correia de Campos acertou em cheio na sua estratégia de curto prazo mas, provavelmente, condenou a sua própria reforma a médio e longo prazo.
Com efeito, a APMCG veio a revelar-se um parceiro ideal, com a sua ânsia de protagonismo e de cargos políticos, para um Ministro espalhafatoso e narcisista.
Luis Pisco, longo trajecto por cargos de nomeação governamental, identificando-se com o espírito de missionário do centrão, estava disponível depois de servir vários Ministros Socialistas e Sociais-Democratas. O pequeno defeito, a que ninguém quis dar importância, foi o seu já longo afastamento dos Centros de Saúde em favor de uma promissora, e financeiramente mais estável, bem sucedida carreira de Médico do Trabalho.
Hoje, volvidos longos anos em jeito de Comissão Instaladora, verificamos que a reforma assentou nas USF no pressuposto que contaminassem positivamente todo o processo assistencial dos Centros de Saúde. Infelizmente a contaminação não foi do tipo - o caminho faz-se caminhando - mas antes do tipo - o caminho faz-se chantageando e ameaçando. Esta dialéctica escolha, para além dos atropelos relacionáveis com a abertura de USF a qualquer preço, criando crateras assistenciais nos depauperados Centros de Saúde, talvez seja a causa primeira para a deserção que se verifica alcandorada nas reformas antecipadas.
Em jeito de aparte, sejamos justos para um elevado número de USF e para os seus profissionais. Muitas fundaram-se, cresceram e consolidaram-se num modelo de excelência assistencial e comunitária, alicerçadas numa correcta leitura de trabalho de equipa.
Só que, volvido o entusiasmo primo, muitas das USF de segunda leva deram à estampa pelos maus motivos: só terão instalações, equipamentos, médicos, enfermeiros, administrativos em quantidade e qualidade se se organizarem em USF, transmitem ou ordenam os mandantes dirigentes.
Tenho sérias dúvidas que seja possível sobreviver aos danos colaterais desta chantagem. Muitos dos mais experientes e dos mais dedicados médicos de família, foram atirados borda fora por um mau ambiente e por uma opção política desastrosa - Correia de Campos apoiou-se numa estrutura que tinha quadros mas não tinha estudos para a tarefa e que deixou um quadro legal e estrutural confrangedoramente amador. Mesmo as USF em funcionamento vêm uma contratualização séria, as remunerações e os incentivos como uma miragem, presas a gente sem palavra.
No actual momento crítico, só uma entrada empenhada dos parceiros sociais legalmente constituídos poderá ainda tentar salvar a reforma, concertando-a de amadorismos, consolidando-a na actual realidade dos recursos humanos e dando-lhe coerência na sua inserção plena no SNS.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Cheirosa Premonição

Para quem acredita no divino e na premonição, não deixa de ser irónico ler no CM de hoje que o tecto e o cheiroso conteúdo de um esgoto deram à estampa, sem consulta marcada, na área das Consultas Externas do novíssimo Hospital de Cascais, inaugurado à uma semana.
Do facto resultou o adiamento de 133 consultas e obras de restauro em 2 gabinetes médicos e uma sala de espera.
Também os Bombeiros de Cascais se queixam da desusada espera na Triagem do Dr. Manchester, vendo retidas as macas.
Perante todas estas queixas e ocorrências, enchendo os pulmões do cheiroso ar do "seu" Hospital, João Varandas, director clínico, declara imperturbável: está tudo bem.
Razão tem José Sócrates, curado, pela crise internacional, de uma juventude um pouco liberal, em transmitir as indicações do Governo: PPP com gestão clínica, jamais!
Será também um pouquinho por isso que alguma comunicação social cheira ao mesmo que caiu do tecto do Hospital do Dr. João Varandas quando se dedica ao tema José Sócrates?

segunda-feira, 1 de março de 2010

O Estoiro

Algumas singelas linhas no Projecto de Lei do Orçamento, a aprovar a 12 de Março no Parlamento, vieram provocar um enorme alvoroço com uma desenfreada corrida às aposentações antecipadas.
Com efeito, ainda não refeitos da mossa ética da convergência de regimes, datada de 2005, e com efeito pleno em 2015, eis senão quando a crise antecipa, já para este ano, alguns factores de agravamento.
No documento que o Governo propôs à AR é muito clara a intenção de alteração do Estatuto de Aposentação. Ali se refere que, no dia da publicação da Lei do Orçamento de Estado em Diário da República, o agravamento anual da antecipação passa de 4,5% para 6% e que, numa das parcelas, o vencimento que conta não é o actual mas sim o que era percebido em 31 de Dezembro de 2005.
Clama o Governo, principalmente através do Secretário de Estado do Orçamento, a justeza da decisão conferida pela aproximação de regimes. Ninguém lhes retira o bom senso da ética. Mas, mais uma vez, mudar regras a meio do jogo por quem já é o dono da bola é inqualificável.
Os médicos, dos outros nada sei mas adivinho, leram o que tinham a ler e, depois de uma assinatura no primeiro de um documento de 8 páginas , Requerimento/Nota Biográfica, começaram já a embalar as fotografias das secretárias. É a debandada.
Os efeitos colaterais de uma medida de cariz exclusivamente económica são simples de contabilizar: mais de 250 médicos de família pediram, até final de Fevereiro, aposentação antecipada e mais de 100 médicos hospitalares seguiram o mesmo caminho.
O que vai suceder a um depauperado SNS é fácil de adivinhar. Muitos serviços entrarão em ruptura e a capacidade formativa de novos especialistas fica seriamente comprometida.
Claro que um governante não volta atrás. Não tem ligeireza de rins para assumir que fez asneira e que não mediu consequências.
Adivinham-se medidas excepcionais e transitórias para tapar buracos.