segunda-feira, 8 de março de 2010

A falência dos CSP

A recente reforma dos Cuidados de Saúde Primários, iniciada por Correia de Campos, assentou num pressuposto político interessante: a mudança deveria ser feita por quem e com quem está no terreno, o que ocasionou, não querendo dar mão aos parceiros sociais, nomeadamente às associações sindicais, entregá-la a uma associação científica e cultural (por vezes recreativa) - a Associação Portuguesa dos Médicos de Clínica Geral (APMCG).
Correia de Campos acertou em cheio na sua estratégia de curto prazo mas, provavelmente, condenou a sua própria reforma a médio e longo prazo.
Com efeito, a APMCG veio a revelar-se um parceiro ideal, com a sua ânsia de protagonismo e de cargos políticos, para um Ministro espalhafatoso e narcisista.
Luis Pisco, longo trajecto por cargos de nomeação governamental, identificando-se com o espírito de missionário do centrão, estava disponível depois de servir vários Ministros Socialistas e Sociais-Democratas. O pequeno defeito, a que ninguém quis dar importância, foi o seu já longo afastamento dos Centros de Saúde em favor de uma promissora, e financeiramente mais estável, bem sucedida carreira de Médico do Trabalho.
Hoje, volvidos longos anos em jeito de Comissão Instaladora, verificamos que a reforma assentou nas USF no pressuposto que contaminassem positivamente todo o processo assistencial dos Centros de Saúde. Infelizmente a contaminação não foi do tipo - o caminho faz-se caminhando - mas antes do tipo - o caminho faz-se chantageando e ameaçando. Esta dialéctica escolha, para além dos atropelos relacionáveis com a abertura de USF a qualquer preço, criando crateras assistenciais nos depauperados Centros de Saúde, talvez seja a causa primeira para a deserção que se verifica alcandorada nas reformas antecipadas.
Em jeito de aparte, sejamos justos para um elevado número de USF e para os seus profissionais. Muitas fundaram-se, cresceram e consolidaram-se num modelo de excelência assistencial e comunitária, alicerçadas numa correcta leitura de trabalho de equipa.
Só que, volvido o entusiasmo primo, muitas das USF de segunda leva deram à estampa pelos maus motivos: só terão instalações, equipamentos, médicos, enfermeiros, administrativos em quantidade e qualidade se se organizarem em USF, transmitem ou ordenam os mandantes dirigentes.
Tenho sérias dúvidas que seja possível sobreviver aos danos colaterais desta chantagem. Muitos dos mais experientes e dos mais dedicados médicos de família, foram atirados borda fora por um mau ambiente e por uma opção política desastrosa - Correia de Campos apoiou-se numa estrutura que tinha quadros mas não tinha estudos para a tarefa e que deixou um quadro legal e estrutural confrangedoramente amador. Mesmo as USF em funcionamento vêm uma contratualização séria, as remunerações e os incentivos como uma miragem, presas a gente sem palavra.
No actual momento crítico, só uma entrada empenhada dos parceiros sociais legalmente constituídos poderá ainda tentar salvar a reforma, concertando-a de amadorismos, consolidando-a na actual realidade dos recursos humanos e dando-lhe coerência na sua inserção plena no SNS.

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