quinta-feira, 8 de outubro de 2009

A cenoura e a ética

Sabemos hoje que o Programa de Intervenção em Oftalmologia foi responsável por 128.000 intervenções a cataratas (JN).
Este número, obtido no segundo semestre de 2008 e no primeiro semestre de 2009 é, parafraseando, extraordinário.
Num simples ano, os oftalmologistas que mantinham uma lista de espera ética e moralmente inaceitável, operaram, nos mesmos serviços onde nunca conseguiam arranjar condições, 128.000 almas desejosas de poder voltar a ver o sorriso de um neto, a cara de um político em dia de derrota, quiçá o sorriso do seu médico de família, confidente de dificuldades e angústias.
Milagre?
Não. Longe disso. O milagre tem o contorno e o conforto ético de € 800 por intervenção.
Dizem as más linguas que o Primeiro-Ministro considerou mercantil e aviltante a posição dos oftalmologistas do SNS, em geral, e do Bastonário, em especial. E terá dito um rotundo não, em Conselho de Ministros, a uma proposta da Ministra da Saúde para instituir verbas acessórias para resolver uma lista de espera insustentável, política e socialmente, pagando no privado o que os mesmos se recusavam a fazer no público. Na mente de todos as viagens a Cuba, por patrocínio autárquico e a mediatização trágica de dezenas de desamparados reconquistando a sua independência do outro lado do Atlântico, numa ilha plena de dificuldades.
Mas Ana Jorge insistiu na sua ideia de resolver a coisa dentro do SNS, nos mesmos serviços e com os mesmos médicos que deixaram crescer a bolha a níveis insuportáveis, dando um pequeno empurrão de disponibilidade financeira.
Com a pequena diferença de € 800 por intervenção foi vê-los tarde, noites, Sábados inteiros despachando doentes a um ritmo que os tinha escandalizado quando tal proeza era assegurada por um espanhol no Barreiro. Os doutores até as macas empurraram para a coisa ser lesta, dizem, mais uma vez, as más linguas.
Com esta história indigente, alguns médicos cavaram mais uma chaga na apreciação social da classe médica e criaram, objectivamente, enormes dificuldades negociais aos sindicatos médicos.
Montar a feira parece ter sido facílimo.
Repôr a dignidade perdida poderá demorar anos.
Mas, entre alguns de nós, poderemos falar em ética, moral e dignidade?

1 comentário:

  1. Porque de dignidade, ética e altruísmo se trata ou deveria tratar, um grande bem haja pelo seu comentário. E sim, sou não-médico, concretamente Enfermeiro.

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